O TERRORISMO DE BAADER-MEINHOF

O TERRORISMO DE BAADER-MEINHOF*

Erich Fromm

Soma-se a isso a falta de razão, formação teórica e pensamento crítico, o que, infelizmente, é muito comum nesta geração, mesmo entre aqueles que se autodenominam marxistas ou revolucionários. Assim, essa falta de educação político-teórica e o conhecimento correspondente facilmente levam a uma ruptura com a realidade e àquele narcisismo pelo qual tudo é considerado possível, porque nada é realmente conhecido ou estudado.

Minha missão como psicólogo é compreender tanto os motivos dos supostos terroristas, como os motivos da reação ao terrorismo. No sentido político e jurídico, compreender não significa desculpar os delitos. Porém, julgar sem compreender leva facilmente a posturas irracionais e ao fanatismo, que é um inimigo da razão.  

Naturalmente, no que se refere aos motivos pessoais dos terroristas, é fácil pensar que a maioria deles são homens destrutivos, movidos por um impulso interior voltado para a ação destrutiva. Encontramos pessoas com esse caráter destrutivo tanto em terroristas de esquerda quanto em terroristas de direita. Porém, isso não deve nos levar ao cliché psicológico de que as causas do terrorismo podem ser explicadas única e exclusivamente por um instinto destruidor.

Gostaria de falar especialmente da falecida senhora Meinhof e aplicar à vida dela algumas ideias teóricas. Ela foi, até determinada data, pelo que sei de sua vida, uma mulher religiosa, amável e solícita. O que a fez se converter em terrorista? Certamente, fatores pessoais e políticos desempenharam um papel importante, especialmente a decepção pessoal e política que teve com seu marido. Se olharmos as fotos dela, desde jovem até sua fase terrorista, compreendemos que algo se alterou em sua expressão facial após o rompimento do matrimônio. Uma face gentil e crédula se tornou um rosto cheio de dureza e amargura.

Sem dúvida, não é apenas esta experiência pessoal que levou Meinhof por esse caminho. Mais importante é o sentimento de desamparo e encurralamento que leva um homem a perder a relação com a realidade e se convencer, tal como um megalomaníaco, de que pode reformar o mundo, e a se sentir um mártir. Como se pode comprovar frequentemente, as pessoas que perderam a capacidade de amar a substituem com a ideia de sacrificar sua vida, para tomar esse próprio sacrifício como prova de que elas podem amar. Então, às vezes, não resta outra saída que uma posição totalmente perdida e desesperada, o terrorismo.

Soma-se a isso a falta de razão, formação teórica e pensamento crítico, o que, infelizmente, é muito comum nesta geração, mesmo entre aqueles que se autodenominam marxistas ou revolucionários. Assim, essa falta de educação político-teórica e o conhecimento correspondente facilmente levam a uma ruptura com a realidade e àquele narcisismo pelo qual tudo é considerado possível, porque nada é realmente conhecido ou estudado.

Do ponto de vista jurídico e político, não apenas devemos deplorar, mas também denunciar atitudes terroristas. No entanto, eles não são apenas alvos de denúncia. Eles também são acusadores. Eles também nos culpam e a nossa sociedade. Eles denunciam que nossa sociedade deixa alguns de seus melhores filhos sem ver nenhuma saída e os empurra para a convicção cada vez mais profunda de que ninguém os entende e de que apenas a violência, o seu fanatismo e a superestimação podem produzir uma mudança. [...].

Eu me perguntei muitas vezes por qual motivo o processo Baader-Meinhof ganhou tamanha importância na atenção pública. É um fenômeno curioso. Em um país como a Alemanha, cuja estrutura democrática não está em perigo, e onde uma revolução é a coisa mais impossível que se pode imaginar, é notável execrar tanto um grupo de terroristas que passam a primeiro plano do sensacionalismo. Por causa dele, redigiram leis que nos fazem duvidar se os princípios fundamentais do Estado democrático de Direito não foram violados. O que gera tudo isso?

Não se pode simplesmente aceitar a ideia de que os terroristas representam um perigo real para a República Federal. Eu vejo outro motivo. O homem de hoje está angustiado. O mundo muda vertiginosamente, e o homem não sabe o porquê. O indivíduo se sente, consciente ou inconscientemente, cada vez mais impotente, porque está se tornando uma peça da engrenagem. Cada vez mais frequentemente ele se pergunta: para que estou realmente vivendo? Todo aquele sentimento de superioridade do homem industrial sobre o pré-industrial, a quem ele olhou por cima do ombro por não ter a técnica ..., tudo isso é colocado em dúvida. E a isto se acrescentam outras mudanças: o começo da emancipação da mulher e o fim previsível do predomínio masculino. Tudo isso aflige a humanidade, especialmente o homem[1], e produz confusão.

Assim, nasce uma sensação de angústia, e a angústia leva facilmente ao ódio. Nada mais natural, então, do que a ideia de que é preciso conhecer o motivo de toda confusão – nesse caso, os terroristas – e eliminá-lo, e que, ao fazer isso, os problemas também são abolidos. Em toda situação desesperadora, emergem representações nos fazem com que nos enganemos sob o que realmente sentimos, sobre as verdadeiras angústias, nos induzindo a crer que podemos colocar tudo de volta nos trilhos, a fim de silenciá-las.

Acredito que os métodos de luta contra o terrorismo representam, para a liberdade na Alemanha, um perigo muito maior do que representaram os próprios terroristas.

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* O Grupo Baader-Meinhof, que se autodeclarava comunista e anti-imperialista, tem suas origens nas lutas estudantis do final dos anos 1960 (a morte de estudantes por policiais foi decisiva nesse contexto), e foi fundado em 1970, tendo existido até 1998. O grupo se autodenominava Fração do Exército Vermelho (em alemão Rote Armee Fraktion, de onde deriva a sigla RAF), mas ficou mais conhecido com o nome de Grupo Baader-Meinholf. A origem desse nome remete ao nome da ativista Ulrike Meinhof (1934 – 1976), jornalista que escrevia para a publicação pacifista Konkret, e que ficou famosa pela sua participação na fuga considerada “espetacular” de Andreas Baader, que também se tornou referência e parte do nome popular do grupo, da prisão, momento em que aderiram à ideia de guerrilha urbana e realizaram sequestros, assaltos e outras ações ilegais.

Tradução e notas de Nildo Viana (http://nildoviana.com)

[1] Aqui no sentido estrito, ou seja, indivíduo do sexo masculino.