
O Medo à Liberdade, de Erich Fromm - Victor Serge
Resenha publicada originalmente na Revista Marxismo e Autogestão:
http://redelp.net/revistas/index.php/rma/article/view/685
Este livro começa com
algumas declarações extremamente duvidosas. Quando Fromm escreve “A imagem
familiar do homem no século passado era a de um ser racional” e “Alguém que se
sentia confiante de que as conquistas da democracia moderna eliminaram todas as
forças sinistras”, ele se esquece de que até agora a civilização esteve
confinada para algumas ilhas em um vasto oceano de barbárie, ignorância e
corrupção. Mesmo nas nações mais avançadas, o “cidadão esclarecido” do século
XIX sempre foi minoria; e agora percebemos que o cidadão digno era
tremendamente confiante demais, em grande parte por causa de sua inconsciência
da terrível insegurança de sua posição histórica. Hoje, os problemas colocados
pelas relações das raças brancas e de cor no Oriente e pelas mudanças que estão
ocorrendo nos países atrasados exigem de nós uma atitude mais crítica, isto é,
mais revolucionária em relação à luta pela liberdade.
Entretanto, no geral, O
Medo à Liberdade[1] é uma contribuição valiosa
para o que pode ser chamado de nosso “rearmamento intelectual”. Os conceitos
anteriores de liberdade perderam muito de sua validade. Sempre houve muita
hipocrisia sobre a democracia burguesa, que simplesmente correspondia aos
interesses da classe capitalista emergente; e as velhas doutrinas socialistas e
anarquistas eram elas mesmas muito influenciadas pela sociedade em que
nasceram. Uma revisão, ou talvez um esclarecimento, de nosso conhecimento e
nossos ideais é recomendada. É isso que Fromm efetiva e com mais sucesso em
alguns aspectos.
“O nazismo é um
problema econômico e político, mas o domínio que exerceu sobre uma população
inteira deve ser entendido do ponto de vista psicológico”. A chave é fornecida
pela distinção entre “liberdade de” e “liberdade para”. O indivíduo, à medida
que a destruição das formas feudais pelo capitalismo em ascensão o torna cada
vez mais independente do grupo social, sente-se cada vez mais desamparado em
meio a um caos organizado que ameaça despedaçá-lo como ser humano. A alienação
do homem, para usar a conhecida expressão de Marx, o leva a desistir dessa
aterrorizante “liberdade de” negativa, que é muito diferente daquela “liberdade
para” positiva que se expressa na espontaneidade, no trabalho criativo, na
solidariedade humana e na inteligência. Os regimes autoritários ao mesmo tempo
convidam e exigem que o indivíduo rejeite sua humanidade, explorando seu
desespero e sentimento de insegurança. Como Fromm demonstra, essa humanidade,
sob a democracia capitalista, é sempre constrangedora, corrompendo o indivíduo
e reservando para ele apenas o pensamento ilusório. Seu alimento ideológico e
espiritual lhe é imposto através dos mesmos tipos de métodos usados pela
publicidade de alta potência para promover uma nova pasta de dente.
A análise de Fromm
traz à tona o perigoso parentesco entre as democracias doentias e as ditaduras
totalitárias de nosso tempo. O conformismo social das democracias doentias,
induzido pelo controle dos capitalistas sobre a imprensa, o rádio, o cinema e o
sistema educacional, e a uniformidade imposta pelo estado das ditaduras
totalitárias – mostra que elas diferem quantitativamente ao invés de
qualitativamente. Fromm explica a psicologia das massas que aceitam o fascismo
pela necessidade de escapar de uma “liberdade” que se tornou insuportável por
causa da insegurança econômica e espiritual que as acompanham sob o
capitalismo. É claro que isso é verdade; e sua análise da origem do fascismo é
extremamente valiosa. Mas a experiência totalitária continua, e agora podemos
vê-la desenvolvendo um novo tipo de insegurança ainda pior do que aquela que
remediou: as massas alemãs e russas não vivem mais simplesmente sob o domínio
de uma autoridade central todo-poderosa, que tem seus atrativos psicológicos,
mas sim em uma atmosfera de catástrofe permanente. Isso não forçará o ser
humano subjugado mais uma vez a se reafirmar e a tomar seu destino em suas
próprias mãos? Muitos anos de experiência em uma sociedade totalitária com
tendências socialistas me ensinaram, além disso, que uma economia coletiva
requer a iniciativa e a liberdade de crítica expressa por parte das massas de
produtores, ou seja, a liberdade de pensamento baseada no sentimento de
solidariedade humana e no desenvolvimento do indivíduo. A supressão desta
liberdade causa um enorme prejuízo, o que me parece ser um dos principais
pontos fracos dos regimes autoritários. A base econômica da nova liberdade pode
ser encontrada nas economias coletivas do amanhã.
* Tradução de
Nildo Viana.
[1]
FROMM, Erich. Escape from Freedom. Nova York: Farrar & Rinehart,
1941.
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