terça-feira, 18 de maio de 2021

O Medo à Liberdade, de Erich Fromm - Victor Serge

 




O Medo à Liberdade, de Erich Fromm - Victor Serge

Resenha publicada originalmente na Revista Marxismo e Autogestão:

http://redelp.net/revistas/index.php/rma/article/view/685

RESENHAS

O Medo à Liberdade, de Erich Fromm*

Victor Serge

 

 

 

 

 

Este livro começa com algumas declarações extremamente duvidosas. Quando Fromm escreve “A imagem familiar do homem no século passado era a de um ser racional” e “Alguém que se sentia confiante de que as conquistas da democracia moderna eliminaram todas as forças sinistras”, ele se esquece de que até agora a civilização esteve confinada para algumas ilhas em um vasto oceano de barbárie, ignorância e corrupção. Mesmo nas nações mais avançadas, o “cidadão esclarecido” do século XIX sempre foi minoria; e agora percebemos que o cidadão digno era tremendamente confiante demais, em grande parte por causa de sua inconsciência da terrível insegurança de sua posição histórica. Hoje, os problemas colocados pelas relações das raças brancas e de cor no Oriente e pelas mudanças que estão ocorrendo nos países atrasados exigem de nós uma atitude mais crítica, isto é, mais revolucionária em relação à luta pela liberdade.

Entretanto, no geral, O Medo à Liberdade[1] é uma contribuição valiosa para o que pode ser chamado de nosso “rearmamento intelectual”. Os conceitos anteriores de liberdade perderam muito de sua validade. Sempre houve muita hipocrisia sobre a democracia burguesa, que simplesmente correspondia aos interesses da classe capitalista emergente; e as velhas doutrinas socialistas e anarquistas eram elas mesmas muito influenciadas pela sociedade em que nasceram. Uma revisão, ou talvez um esclarecimento, de nosso conhecimento e nossos ideais é recomendada. É isso que Fromm efetiva e com mais sucesso em alguns aspectos.

“O nazismo é um problema econômico e político, mas o domínio que exerceu sobre uma população inteira deve ser entendido do ponto de vista psicológico”. A chave é fornecida pela distinção entre “liberdade de” e “liberdade para”. O indivíduo, à medida que a destruição das formas feudais pelo capitalismo em ascensão o torna cada vez mais independente do grupo social, sente-se cada vez mais desamparado em meio a um caos organizado que ameaça despedaçá-lo como ser humano. A alienação do homem, para usar a conhecida expressão de Marx, o leva a desistir dessa aterrorizante “liberdade de” negativa, que é muito diferente daquela “liberdade para” positiva que se expressa na espontaneidade, no trabalho criativo, na solidariedade humana e na inteligência. Os regimes autoritários ao mesmo tempo convidam e exigem que o indivíduo rejeite sua humanidade, explorando seu desespero e sentimento de insegurança. Como Fromm demonstra, essa humanidade, sob a democracia capitalista, é sempre constrangedora, corrompendo o indivíduo e reservando para ele apenas o pensamento ilusório. Seu alimento ideológico e espiritual lhe é imposto através dos mesmos tipos de métodos usados pela publicidade de alta potência para promover uma nova pasta de dente.

A análise de Fromm traz à tona o perigoso parentesco entre as democracias doentias e as ditaduras totalitárias de nosso tempo. O conformismo social das democracias doentias, induzido pelo controle dos capitalistas sobre a imprensa, o rádio, o cinema e o sistema educacional, e a uniformidade imposta pelo estado das ditaduras totalitárias – mostra que elas diferem quantitativamente ao invés de qualitativamente. Fromm explica a psicologia das massas que aceitam o fascismo pela necessidade de escapar de uma “liberdade” que se tornou insuportável por causa da insegurança econômica e espiritual que as acompanham sob o capitalismo. É claro que isso é verdade; e sua análise da origem do fascismo é extremamente valiosa. Mas a experiência totalitária continua, e agora podemos vê-la desenvolvendo um novo tipo de insegurança ainda pior do que aquela que remediou: as massas alemãs e russas não vivem mais simplesmente sob o domínio de uma autoridade central todo-poderosa, que tem seus atrativos psicológicos, mas sim em uma atmosfera de catástrofe permanente. Isso não forçará o ser humano subjugado mais uma vez a se reafirmar e a tomar seu destino em suas próprias mãos? Muitos anos de experiência em uma sociedade totalitária com tendências socialistas me ensinaram, além disso, que uma economia coletiva requer a iniciativa e a liberdade de crítica expressa por parte das massas de produtores, ou seja, a liberdade de pensamento baseada no sentimento de solidariedade humana e no desenvolvimento do indivíduo. A supressão desta liberdade causa um enorme prejuízo, o que me parece ser um dos principais pontos fracos dos regimes autoritários. A base econômica da nova liberdade pode ser encontrada nas economias coletivas do amanhã.



* Tradução de Nildo Viana.

[1] FROMM, Erich. Escape from Freedom. Nova York: Farrar & Rinehart, 1941.


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