O Ser Humano da Sociedade Capitalista
na concepção de Erich Fromm
Edmilson Marques*
Resumo
A proposta deste texto é buscar
na psicanálise pensada e desenvolvida por Erich Fromm elementos para se pensar
o ser humano da sociedade capitalista. Erich Fromm, dentre a maioria dos
psicanalistas existentes, desde Freud, procurou desenvolver suas pesquisas e
reflexões a partir da “psicanálise humanista”, oferecendo, assim, recursos
heurísticos fundamentais para se pensar a vida na sociedade. Nesse sentido,
propomos analisar primeiramente o seu método de análise, a partir do qual
acreditamos ser fundamental para compreender o procedimento
teórico/metodológico que utilizava para pensar os temas por ele abordados, e,
nesse sentido, encontrar o caminho a ser percorrido na busca em seu pensamento da
seguinte questão: como abordar a partir de seu ponto de vista, o ser humano da
sociedade capitalista? Enfim, propomos uma avaliação da própria teoria de
Fromm, apontando suas principais contribuições.
Palavras Chaves:
Erich Fromm, Ser humano, Capitalismo.
A proposta com este texto é buscar na psicanálise pensada e desenvolvida
por Erich Fromm elementos para se pensar o ser humano[1] da
sociedade capitalista. Erich Fromm, dentre a maioria dos psicanalistas
existentes, desde Freud, procurou desenvolver suas pesquisas e reflexões a
partir da “psicanálise humanista”. Seu objetivo era oferecer uma ferramenta
para compreender o ser humano a partir da sua relação com sociedade onde vive.
Nesse sentido, percebemos neste pensador uma contribuição fundamental para os indivíduos pensarem
a própria vida e a vida social que onde está inserido. Diferentemente da
psicanálise instrumentalista que concebe esta como uma ferramenta a ser
utilizada apenas por aqueles que são habilitados para tal, ou seja, apenas por
especialistas. É nesse sentido que Fromm tem se tornado num dos principais
estudiosos da psicanálise e referência para vários pensadores.
Iniciaremos, portanto, pela compreensão do seu método de análise, a
partir do qual acreditamos compreender a referência fundamental que Fromm utilizava
para pensar os temas por ele abordados, e, nesse sentido, encontrar o caminho a
ser percorrido na busca em seu pensamento da seguinte questão: como abordar a
partir de seu ponto de vista, o ser humano da sociedade capitalista?
Erich Fromm percebeu que Freud ofereceu uma grande contribuição para a
humanidade ao criar a psicanálise e tomou seus estudos como uma das referências
fundamentais para se pensar o ser humano. A principal descoberta de Freud,
segundo Fromm, foi perceber “a irracionalidade do homem e do caráter
inconsciente das forças irracionais no seu interior” (Fromm, 1992, p. 32). Fromm
(1965, p. 121) ressalta que
A grande descoberta de Freud, a de uma nova dimensão
da realidade humana, o inconsciente, é um elemento de um movimento orientado
para a reforma do homem. Mas essa mesma descoberta atolou-se no caminho de
maneira fatal. Foi aplicada a um pequeno setor da realidade, aos impulsos
libidinosos do homem e seu recalque, mas pouco ou nada à realidade mais ampla
da existência humana e aos fenômenos sociais e políticos.
Fromm não tomava as reflexões de
Freud de forma dogmática e apaixonada. Percebeu que Freud ofereceu uma
contribuição fundamental para a compreensão do ser humano com a descoberta do
inconsciente, porém, não se limitou a apenas reproduzir o que foi sistematizado
por ele, percebendo além da contribuição, os limites de sua teoria. Fromm observou
que os principais pontos de sua teoria estão associados “ao período histórico
no qual ele trabalhou”[2]. E
seus “defeitos, evidenciam a marca da personalidade de seu fundador” (Fromm, 1965,
p. 07). A meta de Freud era fundar um movimento pela libertação ética do homem,
uma nova religião secular e científica para uma elite que deveria orientar a humanidade
(Fromm, 1965, p. 116), mas, não conseguiu oferecer uma análise que
possibilitava ao próprio ser humano, se “libertar das forças irracionais e
inconscientes de seu interior” (Fromm, 1992, p. 33).
Fromm (1992) coloca que um dos
principais limites da psicanálise desenvolvida por Freud advém da influência de
seus professores (Helmholtz, Dubois e Brücke), os quais defendiam a aplicação
do método do materialismo mecanicista. E depois de Freud a maior parte dos
psicanalistas “têm-se aplicado as teorias freudianas a material clínico, sempre
com a tendência para provar que Freud estava certo, e pouco se incomodando com
outras possibilidades teóricas” (Fromm, 1965, p. 118), conseqüência da
idolatria realizada pela maioria dos psicanalistas à teoria freudiana
dificultando assim, que estes fossem possibilitados de realizar a crítica da
teoria de Freud e assim contribuir com avanço e desenvolvimento das reflexões já
esboçadas e sistematizadas por ele.
Foi nesse sentido que Fromm propôs
uma “revisão dialética da psicanálise” retomando os pontos principais da teoria
de Freud. Procurou “preservar as descobertas de Freud, substituindo, porém, sua
filosofia mecanicista-materialista por uma humanista” (Fromm, 1992, p. 11). Nesse
sentido, “a renovação criativa da psicanálise só é possível se superar seu
conformismo positivista e tornar-se de novo uma teoria crítica e desafiante
dentro do espírito do humanismo radical” (Fromm, 1992, p. 38). É a partir do
desenvolvimento desta sua proposta de rever a psicanálise tal como estava sendo
moldada nos pressupostos da metodologia mecanicistas que Fromm oferece uma
ampla contribuição para a compreensão do ser humano que está fadado a viver no
capitalismo.
A revisão dialética segue duas abordagens. Uma, que
reexamina os dados de Freud e as conclusões teóricas à luz de dados adicionais;
examina uma nova estrutura filosófica e mudanças sociais que ocorreram nas
últimas décadas (Fromm, 1992, p. 40).
Para este estudo focalizaremos esta segunda abordagem na qual está o
fundamento de sua pesquisa, e por ser esta o objetivo a ser alcançado com o
desenvolvimento da primeira (a revisão dos dados de Freud e de suas conclusões
teóricas). É a partir desta discussão que elabora a sua concepção de
“inconsciente social”. Para Fromm o inconsciente social são
As áreas de repressão comuns à maioria dos membros de
uma sociedade; os elementos habitualmente reprimidos são aqueles de cujo
conteúdo a sociedade não deve permitir que seus membros tenha consciência, para
que possa, com suas contradições específicas, funcionar com êxito” (Apud,
Viana, 2002, p. 33).
Para Fromm, “antes de mais nada, o
homem é um ser social”. Seu pressuposto básico e que lhe serviu de referência
para seus estudos é que “o homem não é uma máquina regulada por um mecanismo de
“tensão-dimensão” deflagrado quimicamente, mas é uma totalidade e tem a
necessidade de relacionar-se com o mundo” (1992, p. 11). A partir do ponto de
vista de Fromm, e destes pressupostos básicos elencados anteriormente,
conclui-se que o ser humano da sociedade capitalista é uma expressão da própria
sociedade capitalista. Portanto, é na essência desta sociedade e no modo como
esta está determinada a existir que, na concepção de Fromm, se encontra a
resposta para se pensar o ser humano desta sociedade. Assim, a complexidade do
capitalismo, será expressa no ser humano. A sua compreensão, portanto, deve
“basear-se na análise das necessidades do homem resultantes das condições de
sua existência” (Fromm, 1984, p. 34).
Para a compreensão do ser humano, no entanto, Erich Fromm propõe o estudo
do caráter social[3].
O caráter social é o “núcleo da estrutura do caráter compartilhada pela maioria
do dos indivíduos da mesma cultura, diversamente do caráter individual, que é
diferente em cada um dos indivíduos pertencentes à mesma cultura” (Fromm, 1984,
p. 79). Segundo Fromm o caráter social tem uma função que “consiste em moldar e
canalizar a energia humana em uma determinada sociedade, para que esta possa
continuar funcionando, continuamente” (1984, p. 80). E tratando-se do ser
humano da sociedade capitalista, a sua compreensão deve partir da análise “dos
elementos específicos do modo capitalista de produção” (Fromm, 1984, p. 83).
Nesse sentido o ser humano do
capitalismo passa a ser uma expressão das relações de produção e distribuição
de mercadorias. Com o processo de mercantilização e burocratização das relações
sociais os indivíduos vão sendo educados e moldados pela ação do capital e do
Estado; a existir consequentemente de forma mercadológica e burocrática, formando
assim, o caráter do ser humano desta sociedade. Nesse sentido, Fromm (1964, p.
88) expressa que “nosso caráter é engrenado para trocar e receber, para
transacionar e consumir: tudo, os objetos espirituais como os materiais,
torna-se objeto de troca e de consumo”.
Por um lado então, o ser humano da sociedade capitalista será uma
expressão dos interesses da classe a qual se pertence[4]. Partindo
do pressuposto que os interesses dominantes numa determinada sociedade de
classe é os interesses da classe dominante, verifica-se que na sociedade
capitalista os interesses predominantes são os interesses da burguesia. Nesse
sentido, o ser humano do capitalismo será
constrangido a existir de acordo com estes interesses. E uma das características
fundamentais destes interesses é a alienação[5].
Fromm toma a alienação como ponto central para analisar o caráter social do ser
humano no capitalismo. Segundo ele, “uma das razões dessa sua escolha está no
fato de esse conceito parecer a ele tocar o nível mais profundo da personalidade”
(1984, p. 106). Para compreender o ser alienado Fromm parte da análise de uma
das características fundamentais do capitalismo: o processo de quantificação e
abstratificação[6].
O processo de quantificação e abstratificação
para Fromm perpassa o que Nildo Viana (2003; 2009) denominou de mercantilização
e burocratização das relações sociais; nesse processo o ser humano passa a ser
equiparado e transformado, ao mesmo tempo,
numa mercadoria. As relações sociais passam a ser determinadas pela
transformação do concreto em abstrato, mais especificamente pela coisificação
do trabalho, da sua conversão em dinheiro (que representa a qualidade abstrata
do trabalho concreto). Transforma o homem em uma coisa semelhante ao dinheiro,
perdendo assim as suas qualidades humanas. E nesse sentido “cada homem pode ser
representado por uma entidade abstrata, por cifras, e sobre essa base se
calculam os incidentes econômicos, se prevêem
as tendências e se tomam as decisões” (Fromm, 1984, p. 107). Esse processo vai
ocorrer no capitalismo e formar o caráter social do ser humano do capitalismo.
A produção de mercadorias, por sua vez, se dá através de uma relação de
exploração, onde o lucro é o desejo fundamental do capitalista, cujo caráter é
a expressão do “desejo de adquirir propriedade; mantê-la, aumentá-la, isto é,
obter lucro (Fromm, 1987, p. 82). Esse caráter tem sua expressão no que Fromm
denomina “orientação mercantil”.
A concepção mercantilista do valor, o destaque dado ao
valor de troca antes que ao valor de uso, levou a uma concepção semelhante de
valor aplicável às pessoas e particularmente à própria pessoa de cada um. À
orientação do caráter que tem suas raízes na impressão de que se é também uma
“mercadoria” e do valor pessoal de cada um com um valor de troca, cognominei
orientação mercantil (Fromm, 1960, p. 61).
A orientação acumulativa é outra
questão que vai determinar o ser humano da sociedade capitalista na concepção
de Fromm. Essa orientação faz as pessoas terem pouca fé em qualquer coisa nova
que possam conseguir do mundo exterior; sua segurança baseia-se na acumulação e
na poupança, sendo que gastar é visto como uma ameaça (Fromm, 1960, p. 58). A
orientação acumulativa acaba criando um ser humano que
Em suas relações com outros, a intimidade é uma
ameaça: o alheamento ou a posse de uma pessoa significam segurança. O
acumulativo mostra-se inclinado à desconfiança e tem um senso particular de
justiça que virtualmente afirma: “O que é meu é meu e o que é seu lhe pertence”
(Idem, p. 60).
Orientado por esta forma de vida e
de se relacionar com o outro, o indivíduo se aliena à mercadoria, e ao mesmo
tempo é transformado em uma coisa, sendo educado a absorver os valores
burgueses, e instigado a viver nesta sociedade dominada por pessoas cujo
caráter é denominado pelo que Fromm denomina aspectos negativos, ou seja, “pessoas com falta de imaginação,
mesquinhez, desconfiança, frieza, ansiedade, obstinação, indolência,
pedantismo, obsessão e desejo de posse” (1984, p. 90-91).
Nesse sentido, os desejos das pessoas passam a ser referenciados por este
caráter burguês. Fromm vai colocar que a existência do homem moderno perpassa
pelo ter em detrimento do ser.
As pessoas são transformadas em coisas; suas relações
umas com as outras assumem o caráter de propriedade [...] Mas a questão
essencial não é tanto o que seja o conteúdo do eu, senão que o eu seja sentido
como uma coisa que cada um possui, e que essa “coisa” seja a base de nosso
sentido de identidade (Fromm, 1987, p.
82).
Assim, na sociedade capitalista o
ser humano “deixa de ser um homem, um ser humano vivente, deixa de ser um fim
em si e torna-se um meio para os interesses econômicos de outro homem, ou de si
mesmo” (Fromm, 1984, p. 92), torna-se uma “coisa”, um ser alienado, que segundo
Fromm (1984, p. 115), é um ser humano que
Se sente como um estranho. Poder-se-ia dizer que a
pessoa se alienou de si mesma. Não sente como centro de seu mundo, como
criadora de seus próprios atos, tendo sido os seus atos e as conseqüências
destes transformados em seus senhores, aos quais obedece e aos quais quiçá até
adore. A pessoa alienada não tem contato consigo mesma, e também não o tem com
nenhuma outra pessoa. Percebe a si e aos demais como são percebidas as coisas:
com os sentidos e com o senso comum, mas, ao mesmo tempo, sem relacionar-se
produtivamente consigo mesma e com o mundo exterior.
No capitalismo o ser humano é
determinado a viver de acordo com os interesses da classe dominante, reduzido a
uma “coisa”, numa composição do capital, onde os cifrões passam a ser o
determinante do seu pensamento e das suas ações. Neste mundo o ser humano que
se entrega de corpo e alma à sua paixão pelo dinheiro passa a ser dominada pelo
impulso ao dinheiro. O ser humano no capitalismo segue os valores burgueses da
idolatria ao dinheiro e a tudo que deriva daí; é nesse sentido que Fromm
relaciona a necessidade e existência dos ídolos na sociedade; “é um estranho de
si mesmo, assim como lhe são estranhos seus semelhantes” (1984, p. 118). A
perda do sentido humano vai ser generalizado e ser substituído pela
coisificação do mundo.
Surge daí um mundo doentio, consequentemente, pessoas doentias. O ser
humano deixa de ser o centro de si mesmo, e é levado a adorar o mundo das
coisas. Esse sentimento determinado pelos valores axiológicos[7]
vai se generalizar e ser dominante na sociedade, configurando assim o ser
humano do capitalismo, onde o medo, problemas psíquicos, enfim, um mal estar
constante será uma característica fundamental e constante em sua vida. Isso
provoca a dominação da morte sobre a vida, como pode ser visto no crescente
índice de suicídio e na generalização das guerras, da exploração e opressão
social.
Bom, até aqui podemos perceber em Fromm a sua ampla contribuição para se
pensar o ser humano como expressão dos valores axiológicos. Um ser humano
moldado a existir à imagem e semelhança da criadora do capitalismo, a
burguesia. Porém, para Fromm (1986, p. 138) “o homem[8] é
definido em termos de seu lugar na sociedade”. Para ele “as mais belas, assim
como as mais feias inclinações do homem, não são parte de uma natureza humana
fixa e recebida biologicamente, mas provêm do processo social que forma o
homem” (Fromm, 1983, p. 20). Em si tratando do ser humano da sociedade
capitalista, antes de qualquer coisa, é integrante de uma determinada classe
social. Nesse sentido, a patologia que domina o mundo é conseqüente do
interesse desenfreado da classe dominante na busca pelo lucro, e a sociedade é constrangida
a agir conforme esse interesse.
Contudo, a generalização do descontentamento social, proveniente deste
mal estar ontológico do capitalismo, vai levar determinadas pessoas a
questionarem esse modo de vida. As pessoas não são, como acreditam alguns
ideólogos, uma folha em branco em que se determina o seu conteúdo. Nesse
sentido, o ser humano do capitalismo, a partir da concepção de Fromm, de um
lado vai ser aquele que conforma com a vida tal qual está posta a existir -
conseqüência da sua posição de classe, que lhe possibilita o atendimento de
suas necessidades básicas, a exemplo dos indivíduos que compõe a classe
dominante - e, de outro será aquele que resiste ao próprio capitalismo, e busca
por sua superação, a exemplo das classes oprimidas, em conseqüência do conflito
proveniente do não atendimento às suas necessidades básicas.
O ser humano, mesmo dominado por forças exteriores que lhe orienta para
uma forma de vida, é capaz de questioná-la, e
transformá-la para uma orientação diferente desta que vem sendo
estabelecida no capitalismo, que coloca em xeque o próprio ser humano em
detrimento de sua coisificação. Esse processo Fromm denomina resistência, ou seja, o de tornar
conscientes as necessidades reprimidas no inconsciente, e assim, buscar
supera-las na prática. Mas, “o homem não é uma coisa; é um ser vivo envolvido
num processo contínuo de desenvolvimento. Em casa ponto de sua vida, ele ainda
não é o que pode ser e o que ainda pode vir a ser” (Fromm, 1986, p. 138). Voltemos
agora àquela questão que colocamos no início deste texto, referente à principal
descoberta de Freud destacada por Fromm do inconsciente. O inconsciente é o meio
para alcançar o reconhecimento do ser humano, fundamentalmente, um ser humano que
se encontra adormecido, porém, vivo, na sociedade capitalista.
Segundo Fromm (1992, p. 84) “o conhecimento do inconsciente torna-se um elemento
essencial na busca-da-verdade”, e concebe a verdade como “o processo de remover
ilusões, um passo na direção do desengano” (Idem). A questão é que numa
sociedade dividida em classes sociais a consciência do indivíduo é uma
expressão dos valores e interesses da classe que domina, valores axiológicos,
inautênticos. O inconsciente, por sua vez é a expressão de necessidades inatas
do ser humano, necessidades autênticas, básicas, que permite a sobrevivência do
ser humano, que Fromm (1986) denomina requisitos
para a sobrevivência, os quais numa sociedade de classe são reprimidos.
Nesse sentido, o ser humano da sociedade capitalista na concepção de Fromm vive
este conflito de viver em constante constrangimento de agir conforme os valores
burgueses, e ao mesmo tempo, de querer expressar e viver na prática as suas
necessidades básicas, autênticas. Assim, o querer viver na prática suas
necessidades básicas, autênticas, torna-se para ele o seu objetivo final “de
tornar-se plenamente humano e de ficar em união completa com o mundo” (Fromm,
1965b, p. 134), realizando finalmente o seu bem-estar.
Em Fromm compreende-se que o ser humano do capitalismo tenderá responder
à posição que ocupa na sociedade, agindo contra a sua desumanização na busca
por uma humanização do mundo, marchando em direção à superação das condições sociais
que lhe oprime. Fromm (1977, p. 77) coloca que em toda a sua história o homem
sempre reagiu
Com protesto contra condições que tornam demasiado
drástico ou insuportável o desequilíbrio entre a ordem social e suas
necessidades humanas. A tentativa para reduzir esse desequilíbrio e a
necessidade de estabelecer uma solução mais aceitável e conveniente estão no
cerne do dinamismo da evolução do homem na história. O protesto do homem surgiu
não apenas devido ao sofrimento material; necessidade especificamente humana,
são motivações igualmente forte para a revolução e para a dinâmica da mudança.
Guiado e motivado pela superação de
sua coisificação, de seu sofrimento, e das ilusões impregnada em sua consciência
que se pode ver em Fromm o ser humano do capitalismo. E a condição para a
superação destas ilusões que dominam sua consciência só é possível eliminando o
mal que lhe causa. Portanto, sendo o ser humano um ser social, como afirma
Fromm, é eliminando a sociedade que cria as ilusões (a sociedade de classe[9])
que se tem a possibilidade de se libertar dos grilhões que lhe aprisiona. Como
coloca Fromm (1971, p. 74), recorrendo a Marx, “a exigência de renunciar a
ilusões sobre a condição pessoal[10]
de cada um é a exigência de renúncia às condições que necessitam de ilusões”.
A questão da eliminação desta
sociedade não se trata da eliminação da vida na Terra, embora isso possa ser
pensado quando a referência é o interesse da burguesia, ou seja, defender e reproduzir
os seus interesses levando esta idéia ao limite de colocar em risco a própria
vida do ser humano. Diante desta sociedade criada pela burguesia “a destruição
da humanidade como um todo é uma possibilidade concreta, porque dispomos hoje
de meios de autodestruição maciça [...]” (Fromm, 1986, p. 142). Mas do ponto de
vista da psicanálise humanista de Fromm, “o que importa hoje é preservar o mundo, mas para isso são necessárias certas
modificações, e para essas modificações as tendências históricas terão de ser
compreendidas e antecipadas” (Fromm, 1969, p. 222).
Enfim, Erich Fromm oferece uma contribuição
fundamental, a partir da psicanálise, para se pensar o ser humano da sociedade
capitalista. A partir da base de seu pensamento teórico, do homem enquanto
totalidade que sente necessidade de relacionar-se com o mundo, e acrescentamos,
de ser construtor e transformador do mesmo, conclui-se que para ele “o homem
define a sua humanidade em termos da sociedade com a qual se identifica”
(Fromm, 1977, p. 72). Mesmo recorrendo à teoria da transformação de Marx, Fromm
não avança no reconhecimento das classes sociais. Nesse sentido, o
desenvolvimento da psicanálise desenvolvida por ele se torna uma necessidade,
assim como ele fez com a teoria de Freud. Só assim torna-se possível perceber
que no capitalismo o ser humano só pode ser pensado como sendo aquele que se
identifica com esta sociedade, ou seja, o ser humano como integrantes das
classes dominantes, e como aquele que não se identifica com esta sociedade e
busca superá-la, os integrantes das classes exploradas e oprimidas, questão
ausente na psicanálise de Fromm.
Bibliografia
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sociopsicanalítico. Rio de Janeiro, Zahar, 1972.
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VIANA, Nildo. Erich Fromm e a Renovação da Psicanálise.
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____________. Os Valores na Sociedade Moderna.
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____________. Universo Psíquico e Reprodução do Capital:
ensaios freudo-marxistas. São Paulo, Escuta, 2008.
*
Professor da Universidade Estadual de Goiás e doutorando em história pela
Universidade Federal de Goiás.
[1] Na
totalidade das suas obras Erich Fromm utiliza do termo “homem” para se referir
ao “ser humano”. No entanto, aqui, optamos pelo termo “ser humano” para evitar
as costumeiras confusões provenientes das interpretações ideológicas (a
ideologia do gênero, por exemplo) que remetem a superação do preconceito
sofrido pelas mulheres à superação das desigualdades entre os sexos (feminino e
masculino), questão que pode ser observada com o próprio Fromm em “Ter ou ser?”
na sua crítica ao sexismo na linguagem.
[2] Para ter
acesso aos sete principais pontos elencados por Fromm da obra de Freud, ver
Fromm (1992).
[3]
Para uma leitura mais detalhada da teoria do caráter social, ver Fromm, 1972.
Para uma crítica ao caráter social de Fromm, ver Viana (2008), o qual propõe o
conceito de “mentalidade” expressando ser esse mais adequado do que aquele.
[4] No
caso dos indivíduos proveniente das classes exploradas, a maior parte de seus
interesses autênticos serão reprimidos e serão predominantes no seu
inconsciente.
[5]
Fromm usa o conceito de alienação no sentido de idolatria, veja, por exemplo, a
análise sobre o ídolo que realiza em “Psicanálise da Sociedade Contemporânea”,
diferentemente da abordagem marxista que concebe a alienação como uma relação
social.
[6]
Anteriormente Fromm havia abordado esta questão como burocratização e
mercantilização.
[7]
Para uma leitura mais aprofundada sobre a questão dos valores na sociedade
moderna, mais especificamente os valores axiológicos e valores axionômicos, ver
Viana, 2007.
[8]
Uma questão que perpassa a concepção de Erich Fromm, é a sua constante
utilização do termo “homem” num sentido generalizado. Embora, em várias obras
deixe claro que pensa o homem como determinado a existir de acordo com a
posição que ocupa na sociedade, não aprofunda esta questão e se limita à
analisar o ser humano num sentido generalizado, homogêneo, não percebendo o ser
humano como um ser integrante de determinadas classes sociais, o que lhe rendeu
a crítica de Marcuse (1988) e a crítica de Nildo Viana (2010) que lhe caracterizou como
“humanista abstrato” por partir “de
uma concepção correta de natureza humana, mas que não chega a perceber a
questão fundamental das classes sociais e das lutas de classes e por isso sua
ética humanista também se revela limitada, tal como sua proposta de mudança
social”.
[10]
Embora assuma uma postura crítica ao capitalismo, Fromm muitas vezes reserva
“ao indivíduo o processo de transformação pessoal sem a devida mudança social”
(Viana, 2002, p. 32) o que lhe provocou a crítica de Marcuse (1988), percebida
por Viana (2002), para o qual o “estilo de Fromm e sua solução, muitas vezes se
aproxima ao do ‘poder do pensamento positivo’”.
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